terça-feira, 20 de março de 2012

Sobre o humor (verdadeiramente) inteligente, ou "a arte da ironia sutil" - Vale a Pena Ler...


... O primeiro caso aconteceu depois da divulgação de uma entrevista na revista Rolling Stones com Rafinha Bastos, "repórter" do CQC e "comediante". Na entrevista o repórter André Rodrigues transcreve trechos do número de comédia stand-up protagonizado por Rafinha Bastos. Em um trecho muito polêmico, Rafinha Bastos faz as seguintes piadas: "Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caramba." E acrescenta:"Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade." No ápice do mau-gosto e da falta de respeito, Rafinha Bastos conclui: "Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um abraço."

Hilário, não? Não, não é hilário! A "piada" não é apenas politicamente incorreta, é ofensiva mesmo! Pense no supra-sumo do mau-gosto, acrescente tudo o que for mais abjeto... Agora sim, está mais próximo do "humor" de Rafinha Bastos. Sim, porque estupro não tem graça nenhuma, é uma violência covarde. Se você é mulher, pode imaginar a situação. Se for homem também, não importa. Dispa-se dos seus preconceitos e imagine: você é mulher, está voltando pra casa sozinha depois do trabalho, ou da faculdade. Percebe que há um sujeito a seguindo. Acelera o passo, e percebe que o indivíduo também acelerou o passo. Começa a correr, mas o indivíduo corre mais rápido, a alcança e agarra. Você tenta gritar, mas ele tapa sua boca, você tenta lutar mas ele é mais forte. Não é difícil imaginar que os minutos seguintes serão de terror, ódio, revolta, nojo e vergonha. Agora que a cena ficou mais gráfica, é engraçado? Eu não consigo rir de algo assim. Principalmente porque não é nenhuma brincadeira, é real, acontece sempre com milhões de mulheres no mundo todo. O estupro é a tortura mais humilhante a que uma mulher pode ser submetida. Não é de se admirar que na época da ditabranda os torturadores usassem esse recurso com certa frequência para obter informações de suas prisioneiras. Não consigo entender que tipo de mente doentia pode achar engraçado fazer piada com uma violência tão humilhante, e um terror tão real na vida das mulheres. A Lola Aronovich escreveu um texto muito bom sobre esse episódio, com links ótimos para outros textos sobre o assunto. E o que aconteceu com o referido "humorista"? Bem, ao que parece está sendo indiciado pelo Ministério Público. Pedido de desculpas? Retratação? Rárá!!

Teria sido horrível se tivesse sido um episódio isolado. E não foi? Não, não foi! Porque logo depois de surgirem na internet os primeiros protestos contra o elitismo dos habitantes do bairro de Higienópolis no caso do metrô, outro "comediante" do CQC, o sempre polêmico Danilo Gentilli fez o seguinte comentário no microblog Twitter: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz!!!". Genial! Piada com o Holocausto, que foi simplesmente um dos crimes mais bárbaros da história da humanidade! Porque realmente é muito engraçado pensar que seis milhões de judeus foram executados em fábricas da morte na busca por uma pretensa pureza genética. Eu acho que as pessoas cujos familiares passaram por isso devem ter rolado de rir! Da mesma forma que eu morreria de rir se fizessem piada com o genocídio dos índios brasileiros, ou a escravidão dos negros. Afinal, isso não fere a memória das vítimas, não é? E nem soa ofensivo aos seus familiares. Não, imagina! Quem reclama é porque é "chato" e acha que tudo é "politicamente correto demais". Sinto que abriram as portas do inferno da ignorância e da falta de respeito, e deixaram as feras soltas. Quando o humor perdeu a graça e passou a se apoiar unicamente na ofensa, no desrespeito? Quando foi que o humor deixou de ser fino e passou a ser um repertório de bestialidade e um poço fundo, muito fundo, de dejetos?

Existe "politicamente correto demais"? Existem "piadas proibidas"? Como saber qual o limite que separa a graça da ofensa? Nada mais simples, meus caros! Basta se colocar no lugar da sua "vítima". Como você se sentiria se o alvo da piada fosse você? Só quem é ofendido sabe o quanto dói, mas é bem fácil saber onde se deve parar. O limite do respeito é o seu limite: se você não gostaria de ouvir, provavelmente é porque não deve dizer. Feche a boca, tem coisas que é melhor não deixar sair: se você não consegue vencer seu preconceito, não externá-lo já é um bom começo.

É possível fazer humor sem alimentar preconceitos? Dá pra fazer piada sem ofender grupos minoritários? Sim, é perfeitamente possível. O Eduardo Lacerda no twitter me mandou um vídeo da humorista americana Wanda Sykes. Negra e lésbica, Sykes atua em seriados na Tv americana e, além disso, é escritora e comediante stand-up, como Rafinha e Gentilli. A diferença é que Wanda Sykes faz humor com maestria, e sem ofender ninguém, usando apenas o recurso da ironia sutil. Em um dos números, por exemplo, ela (negra e lésbica) fala sobre como é mais fácil ser negra do que ser gay. Sem ofender ninguém, ela simula uma conversa que um gay teria com os pais, ao se assumir. Porém, a comediante faz uma inversão de papéis, e em vez de tratar da temática da homossexualidade, Sykes trata da temática racial. E assim, usando nada mais do que a ironia, ela retrata uma situação de preconceito e não-aceitação dentro da família, tocando inclusive na delicada questão religiosa. Sem ofensas, sem falta de respeito. Só humor e ironia. E a platéia? Vai à loucura! Em outro número Wanda fala sobre o tratamento da mídia reservado à primeira-dama Michelle Obama. Mais uma vez sem ofender ninguém, muito menos à própria Michelle Obama, Wanda usa de um estereótipo bem conhecido da mulher negra americana para ironizar a mídia e os próprios cidadãos americanos (a despeito de décadas de conquistas dos negros, os EUA ainda são um país muito racista). Ainda sobre o racismo, em outro número ela fala de um chamado Racismo Reverso e mais uma vez arranca gargalhadas da platéia. Tudo isso com o recurso da ironia fina. Tudo isso sem agredir ninguém.

O caso de Danilo Gentilli, ao menos, teve uma repercussão considerável. Após os indignados protestos de vários internautas e jornalistas Gentilli apagou o tweet e enviou um "pedido de desculpas" à comunidade judaica afirmando que seu objetivo sempre foi "levar alegria às pessoas". Bem, se o objetivo do "humorista" era esse, talvez ele devesse repensar seus métodos. Aliás, não apenas Gentilli, mas também Rafinha Bastos e todos os que se dizem humoristas, mas se valem de preconceitos e ofensas para fazer "humor". Humoristas realmente inteligentes como Wanda Sykes provam que é possível ser engraçado sem agredir gratuitamente. Fica a dica!
(Ayesha Luciano)

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