... O primeiro caso aconteceu depois da
divulgação de uma entrevista na revista Rolling Stones com
Rafinha Bastos, "repórter" do CQC e "comediante". Na
entrevista o repórter André Rodrigues transcreve trechos do número de comédia
stand-up protagonizado por Rafinha Bastos. Em um trecho muito polêmico, Rafinha
Bastos faz as seguintes piadas: "Toda mulher que eu vejo na rua reclamando
que foi estuprada é feia pra caramba." E acrescenta:"Tá reclamando do
quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma
oportunidade." No ápice do mau-gosto e da falta de respeito, Rafinha
Bastos conclui: "Homem que fez isso [estupro] não merece cadeia, merece um
abraço."
Hilário,
não? Não, não é hilário! A "piada" não é apenas politicamente
incorreta, é ofensiva mesmo! Pense no supra-sumo do mau-gosto, acrescente tudo
o que for mais abjeto... Agora sim, está mais próximo do "humor" de
Rafinha Bastos. Sim, porque estupro não tem graça nenhuma, é uma violência
covarde. Se você é mulher, pode imaginar a situação. Se for homem também, não
importa. Dispa-se dos seus preconceitos e imagine: você é mulher, está voltando
pra casa sozinha depois do trabalho, ou da faculdade. Percebe que há um sujeito
a seguindo. Acelera o passo, e percebe que o indivíduo também acelerou o passo.
Começa a correr, mas o indivíduo corre mais rápido, a alcança e agarra. Você
tenta gritar, mas ele tapa sua boca, você tenta lutar mas ele é mais forte. Não
é difícil imaginar que os minutos seguintes serão de terror, ódio, revolta,
nojo e vergonha. Agora que a cena ficou mais gráfica, é engraçado? Eu não
consigo rir de algo assim. Principalmente porque não é nenhuma brincadeira, é
real, acontece sempre com milhões de mulheres no mundo todo. O estupro é a
tortura mais humilhante a que uma mulher pode ser submetida. Não é de se
admirar que na época da ditabranda os torturadores usassem esse recurso com
certa frequência para obter informações de suas prisioneiras. Não consigo
entender que tipo de mente doentia pode achar engraçado fazer piada com uma
violência tão humilhante, e um terror tão real na vida das mulheres. A Lola
Aronovich escreveu um texto muito bom sobre
esse episódio, com links ótimos para outros textos sobre o assunto. E o que
aconteceu com o referido "humorista"? Bem, ao que parece está sendo indiciado pelo Ministério Público. Pedido de
desculpas? Retratação? Rárá!!
Teria
sido horrível se tivesse sido um episódio isolado. E não foi? Não, não foi!
Porque logo depois de surgirem na internet os primeiros protestos contra
o elitismo dos habitantes do bairro de Higienópolis no caso do metrô, outro "comediante" do CQC, o sempre
polêmico Danilo Gentilli fez o seguinte comentário no microblog Twitter:
"Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que
chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz!!!". Genial! Piada com
o Holocausto, que foi simplesmente um dos crimes mais bárbaros da história da
humanidade! Porque realmente é muito engraçado pensar que seis milhões de
judeus foram executados em fábricas da morte na busca por uma pretensa pureza
genética. Eu acho que as pessoas cujos familiares passaram por isso devem ter
rolado de rir! Da mesma forma que eu morreria de rir se fizessem piada com o
genocídio dos índios brasileiros, ou a escravidão dos negros. Afinal, isso não
fere a memória das vítimas, não é? E nem soa ofensivo aos seus familiares. Não,
imagina! Quem reclama é porque é "chato" e acha que tudo é
"politicamente correto demais". Sinto que abriram as portas do
inferno da ignorância e da falta de respeito, e deixaram as feras soltas.
Quando o humor perdeu a graça e passou a se apoiar unicamente na ofensa, no
desrespeito? Quando foi que o humor deixou de ser fino e passou a ser um
repertório de bestialidade e um poço fundo, muito fundo, de dejetos?
Existe
"politicamente correto demais"? Existem "piadas proibidas"?
Como saber qual o limite que separa a graça da ofensa? Nada mais simples, meus
caros! Basta se colocar no lugar da sua "vítima". Como você se
sentiria se o alvo da piada fosse você? Só quem é ofendido sabe o quanto dói,
mas é bem fácil saber onde se deve parar. O limite do respeito é o seu limite:
se você não gostaria de ouvir, provavelmente é porque não deve dizer. Feche a
boca, tem coisas que é melhor não deixar sair: se você não consegue vencer seu
preconceito, não externá-lo já é um bom começo.
É
possível fazer humor sem alimentar preconceitos? Dá pra fazer piada sem ofender
grupos minoritários? Sim, é perfeitamente possível. O Eduardo Lacerda no
twitter me mandou um vídeo da humorista americana Wanda Sykes. Negra e lésbica,
Sykes atua em seriados na Tv americana e, além disso, é escritora e comediante
stand-up, como Rafinha e Gentilli. A diferença é que Wanda Sykes faz humor com
maestria, e sem ofender ninguém, usando apenas o recurso da ironia sutil. Em um
dos números, por exemplo, ela (negra e lésbica) fala sobre como é mais fácil ser negra do que ser gay. Sem ofender
ninguém, ela simula uma conversa que um gay teria com os pais, ao se assumir.
Porém, a comediante faz uma inversão de papéis, e em vez de tratar da temática
da homossexualidade, Sykes trata da temática racial. E assim, usando nada mais
do que a ironia, ela retrata uma situação de preconceito e não-aceitação dentro
da família, tocando inclusive na delicada questão religiosa. Sem ofensas, sem
falta de respeito. Só humor e ironia. E a platéia? Vai à loucura! Em outro
número Wanda fala sobre o tratamento da mídia reservado à primeira-dama Michelle Obama.
Mais uma vez sem ofender ninguém, muito menos à própria Michelle Obama, Wanda
usa de um estereótipo bem conhecido da mulher negra americana para ironizar a
mídia e os próprios cidadãos americanos (a despeito de décadas de conquistas
dos negros, os EUA ainda são um país muito racista). Ainda sobre o racismo, em
outro número ela fala de um chamado Racismo Reverso e
mais uma vez arranca gargalhadas da platéia. Tudo isso com o recurso da ironia
fina. Tudo isso sem agredir ninguém.
O
caso de Danilo Gentilli, ao menos, teve uma repercussão considerável. Após os
indignados protestos de vários internautas e jornalistas Gentilli apagou o
tweet e enviou um "pedido de desculpas" à comunidade judaica
afirmando que seu objetivo sempre foi "levar alegria às pessoas".
Bem, se o objetivo do "humorista" era esse, talvez ele devesse
repensar seus métodos. Aliás, não apenas Gentilli, mas também Rafinha Bastos e
todos os que se dizem humoristas, mas se valem de preconceitos e ofensas para
fazer "humor". Humoristas realmente inteligentes como Wanda Sykes
provam que é possível ser engraçado sem agredir gratuitamente. Fica a dica!
(Ayesha Luciano)
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